Sejam bem-vindos a um novo capítulo! No episódio de hoje, vamos falar um pouco sobre cuidar do Cuidador. Como sabe, cuidar de uma Pessoa com Demência é um processo extremamente complexo, envolto em inúmeros desafios, desafios esses não apenas relacionados diretamente com o cuidado prático à Pessoa com Demência e tudo aquilo que lhe está inerente, mas também questões que se relacionam com as dinâmicas familiares, mudanças subjacentes, assim como em relação às questões que se prendem com o próprio cuidador como o seu bem-estar, perceção de qualidade de vida e regulação de emoções, que tão importantes são para que o cuidado à Pessoa com Demência seja o melhor possível. O ato de cuidar, por ser complexo e multidimensional, pode resultar num grande impacto emocional, na perda de identidade, preocupação e incerteza face ao diagnóstico de uma demência. Neste sentido, existe uma panóplia de reações emocionais e sentimentos normais que são desencadeados pelo processo de cuidar. Todos nós temos formas diferentes de lidar com aquilo que sentimos e com o que nos acontece. Pode pensar que aquilo que sente é inaceitável e que não deveria sentir tristeza, raiva e revolta, medo ou até vergonha, mas tudo isto é perfeitamente aceitável face às mudanças e face ao desafio que é a Demência. É um processo que implica perdas e constantes ajustes, sendo que o processo de nos adaptarmos a algo novo é sempre exigente uma vez que as circunstâncias que conhecíamos até então mudam e é necessário que de alguma forma nos reconstruamos. Também as perdas de capacidades da pessoa que cuidamos têm impacto em nós, seja porque de alguma forma a independência e autonomia da pessoa tende a sofrer mudanças, seja pela questão emocional que lhe está subjacente - é difícil percecionarmos as perdas de quem amamos. Com muita frequência, os cuidadores de Pessoas com Demência sentem-se sobrecarregados, angustiados, tristes, cansados. Quantas vezes tal lhe aconteceu? Se pararmos por momentos para pensar e refletir neste ponto, estes sentimentos são perfeitamente compreensíveis, atendendo à responsabilidade e às exigências do cuidado ao outro. Muitas vezes os cuidadores podem esquecer-se deles próprios, deixando de olhar para si mesmos e para as suas necessidades, e vivem para a Pessoa que cuidam. Se assim é, como poderão os cuidadores sentir-se bem, se tantas vezes o tempo que têm para si próprios é esquecido, colocado em segundo plano ou deixa mesmo de existir? Cuidar de uma Pessoa com Demência traz consigo várias sensações. Uma delas é o medo. O medo de não estar a fazer o melhor pelo familiar, o medo de não prestar os melhores cuidados, o medo de falhar, o medo do que o futuro poderá reservar. Muitas vezes, a estas emoções e comportamentos menos agradáveis pode estar também associado um sentimento de culpa. A culpa está muitas vezes presente, seja pela forma como sentem que se comportaram no passado com o seu familiar, seja por não compreenderem muitos dos sinais e sintomas associados à demência, por perderem a paciência em determinadas ocasiões, por em certos momentos desejarem não ter a responsabilidade de cuidar e considerarem institucionalizar o seu familiar, por pensarem e necessitarem de ter tempo para estar consigo próprios ou com amigos, entre outras várias razões, que acabam por ter impacto na forma como os Cuidadores se sentem e como tomam decisões. Cuidar de alguém pode também estar associado ao sentir-se só, mas sentir-se só não significa que se esteja sozinho. São vários os motivos que podem contribuir para este sentimento - seja pela mudança de papéis, seja porque deixaram o seu emprego, porque não têm retaguarda familiar ou porque a pessoa com quem costumavam partilhar o que viviam e sentiam, é a própria Pessoa com Demência. Cuidar de uma Pessoa com Demência implica enfrentar um trajeto de mudanças e de pequenas perdas que vão acontecendo ao longo do tempo, não só a nível físico como também emocional e relacional - maiores dificuldades nas tarefas do dia-a-dia, como a alimentação, o vestir, o preparar refeições, entre outras, mas também as dificuldades em termos de comunicação verbal, de raciocínio, de competências sociais e por vezes até de personalidade, que ocorrem de uma forma gradual e progressiva, e tornam mais "presente" e visível a percepção destas pequenas perdas por parte dos Cuidadores, que vivenciam um processo de luto antecipatório, enquanto o seu familiar ainda está vivo. Se é fundamental que os Cuidadores se preparem para as mudanças em vida, é também importante pensarmos no momento a seguir, no momento, em que a Pessoa com Demência de quem cuida já não estará cá. Durante muito tempo, desempenhou o papel de cuidador, mas se esse papel trouxe consigo muitos desafios, o reverso trará também. O luto é, na maioria das vezes, um processo natural associado à perda de algo ou de alguém, que com ele traz diferentes reações emocionais, psicológicas e físicas. Em acréscimo, o cuidador pode ter deixado o seu emprego, a vida que conhecia antes da demência também terá sofrido alterações e, portanto, deixar o seu papel de cuidador e ao mesmo tempo lidar com a morte do seu familiar será também ela uma fase desafiante. É comum também poder experienciar manifestações de luto que possam parecer algo contraditórias - por um lado o choque, o desespero, a tristeza e num outro momento o alívio e a acalmia. O que importa reforçar é que tudo isto é um processo profundamente idiossincrático, variável, mas natural. Apesar de a demência trazer consigo um conjunto enorme de desafios, na verdade, tal não significa que os Cuidadores não possam sentir emoções e sentimentos positivos e, que mantenham a capacidade para rir. Cuidar de alguém pode também trazer sentimentos agradáveis, como a gratificação por estar a cuidar de alguém que precisa de si, o amor, a alegria, o sentir-se útil. Cuidar é de facto um processo ambivalente e é comum ter-se sentimentos contraditórios: poder amar e não gostar ao mesmo tempo, querer que a pessoa fique no domicílio, mas por outro lado querer institucionalizar, sentir raiva, mas por outro lado compaixão. Não existe propriamente uma forma correta para lidar com as emoções, mas é importante reconhecer como se sente e o que sente, assim como ter alguma compreensão sobre estas dimensões - o porquê de tal acontecer e de se sentir desse modo. Lembre-se, o bem-estar da Pessoa com Demência depende diretamente do seu bem-estar, sendo que é muito importante preservar os seus próprios recursos psicológicos, emocionais e físicos. Neste ato de cuidar, acaba por deixar com muita frequência as suas necessidades de descanso, lazer e tempo sozinho de lado, em segundo plano. Contudo, é essencial encontrar formas para que consiga cuidar de si! A pergunta que estará a colocar neste momento será certamente: mas como? Como, se estou assoberbado de responsabilidades? Como, se todo o tempo que tenho é passado com a Pessoa com Demência? Como, se são tantas as tarefas? Bom, não existem fórmulas ou estratégias mágicas para cuidar de si, mas há algumas orientações que podem ajudar na melhoria do seu bem-estar e na sua perceção de qualidade de vida: * Em primeiro lugar, diríamos que um aspeto essencial é reconhecer o que sente e como se sente e ter presente que, num dia poderá sentir uma maior desesperança, sentir-se mais triste e angustiado (sentimentos e emoções mais desagradáveis), e que num outro momento poderão prevalecer sentimentos mais agradáveis. * Cuidar de si representa também cuidar da sua saúde física, estar atento à sua dieta alimentar, a sintomas e sinais físicos (como o aumento da pressão arterial, problemas gastrointestinais, problemas relacionados com o sono, etc), manter-se fisicamente ativo, através da prática desportiva, por exemplo, e, muito importante, encontrar momentos em que possa descansar. * É absolutamente necessário, tanto para si como para a Pessoa com Demência, que haja momentos em que se afasta da prestação de cuidados, para que possa descansar, dormir, fazer algo que realmente goste e lhe faça bem. Isto pode significar sair de casa uma vez por semana, 1h por dia, estar sozinho ou com pessoas que lhe sejam significativas. Não importa o número de vezes nem a duração de casa "pausa", mas sim aquilo que lhe é possível fazer no dia-a-dia, com a rede de apoio que conseguir encontrar. Por vezes, arranjar forma de atender às suas próprias necessidades exige esforço, organização e criatividade, mas é possível, e é essencial fazê-lo! * Dê um presente a si mesmo. Algumas pessoas podem comprar algo que gostem e que lhes seja útil, ou então uma nova experiência, por exemplo, assistir a um espetáculo, desfrutar de um jantar, ver o pôr do sol. * Nos momentos em que o nível de stress está mais elevado, poderá ser útil recorrer a técnicas de relaxamento e de respiração. Também pode ajudar afastar-se por momentos, fazer breves caminhadas ou algo que para si, seja especial. * Lembre-se: não está sozinho e não precisa de fazer tudo sozinho. Peça ajuda a familiares, a amigos, a vizinhos ou pessoas conhecidas. Existem também associações, instituições e profissionais treinados em ajudar, seja no cuidado à Pessoa com Demência seja no seu próprio cuidado. Procurar apoio não significa que não seja um bom cuidador, que não esteja a fazer o seu melhor. Significa que se preocupa, que quer dar o melhor de si e cuidar o melhor possível do seu familiar. Procurar a sua rede de suporte, para momentos de lazer e convívio, é também fundamental para se sentir acompanhado, para descansar e, consequentemente, aumentar o seu bem-estar. * É também importante que seja tolerante consigo próprio. A autocompaixão é essencial para o autocuidado, sendo que implica que valorize o seu trabalho, o seu esforço e a dedicação para com a Pessoa com Demência e ao mesmo tempo, afastar a voz crítica que temos dentro de nós. * É natural que todo este processo traga consigo dúvidas e receios - existem linhas de apoio e profissionais disponíveis para o ajudar ao longo deste processo, e que têm formação e informação, não apenas relativa às demenciais e ao cuidado, mas também informações acerca de ajudas externas, recursos disponíveis na sua área de residência e instituições especializadas. * Outra estratégia que poderá ajudar é a partilha. Existem grupos de apoio e/ou suporte que têm como objetivo a partilha de experiências e dificuldades, mas também de estratégias e apoio mútuo. São bons locais para expor dúvidas e para partilhar como se sente. De salientar que, cada cuidador conhece o seu próprio contexto, as suas possibilidades e a forma como o cuidado está organizado. Umas vezes será possível pôr em prática estas sugestões, mas outras vezes pode ser mais difícil consegui-lo. O que importa reforçar é a necessidade de prestar atenção ao que sente, física e emocionalmente, e procurar ajuda sempre que sinta que as suas necessidades são superiores aos recursos que detém para lhes fazer face. Esperamos que este capítulo tenha sido útil, e que vos possa ajudar nesta caminhada que é cuidar de uma Pessoa com Demência. Até ao próximo episódio!